O abismo da intuição introvertida

Kauê
3 min readDec 28, 2022

Lamentamos nosso caráter efêmero e buscamos consolo em uma transcendência simbólica: o legado de pelo menos termos participado da jornada. Você e eu não estaremos aqui, mas outros estarão, e o que fazemos, o que criamos, o que deixamos para trás contribui para o que virá e para como a vida futura viverá. Contudo, em um universo que acabará desprovido de vida e de consciência, até mesmo um legado simbólico — um sussurro destinado a nossos descendentes distantes — desaparecerá vazio adentro.

Ao longo da minha vida, uma das minhas principais metas era focar no presente, viver no agora, em um ato consciente ou desesperado. Acreditava ser o elixir da libertação da minha alma para a almejada felicidade. Entretanto, ao analisar os arquétipos de personalidade, para mim, tal desejo é estritamente impossível, é antinatural, é contraintuitivo e provavelmente trata-se de um fato o qual não pode ser alterado mas compreendido.

Permita-me concatenar em encontro ao mais fundamental e complexo sistema linear existente: o tempo. Nossa vida é curta, efêmera e a única certeza é a própria incerteza. Desconhecemos nosso futuro e isso o torna fascinante, ainda bem. É ininteligível que vivamos no presente se alguns de nós fomos agraciados com uma cognição voltada ao futuro e ao longo prazo. Em contrapartida, a apreciação do simples não ocorre de maneira natural, e sim deve-se pela beleza da complexidade e propósito — o qual é nossa incumbência descobrir.

O conceito total de tempo ainda é incognoscível para nossas mentes humanamente limitadas. Durante anos, despendi tempo e esforço consideráveis na esperança de modificar um traço da minha essência, em vão; isso trouxe-me ainda mais problemas do que já havia. Neste intervalo, encontrava-se ausente a capacidade de teorizar o abstrato e conduzir o póstero, como era normalmente inconsciente, e muito menos deleitar-me ao presente, conforme prognosticado. Foi inescusável apenas acatar a natureza imutável e apoiar-me na mesma para superar qualquer contratempo. É de bom tom salientar que os avanços do inestimável valor do presente foram integrados ao meu ser e de maneira alguma negligenciarei sua devida importância, por mais complicada que seja a minha relação interna com a realidade.

Eventos reais, práticos e diretos para nós não são devidamente apreciados porém bastante subestimados. Gostaria eu de conseguir viver em total sinergia e plenitude com o ambiente externo e com a própria realidade; minha vida seria demasiadamente mais saudável e compreensível. A prolixia do amanhã é um infortúnio introvertido escatológico e nos conduz em sentido oposto às expectativas alheias.

Sim, observamos o passado a partir do futuro: nos concentramos no legado. Parece contraditório, eu sei. Tal particularidade permite-nos transitar entre passado e futuro, como se o tempo fosse um só e indeterminado — indistinguível, para ser mais preciso; exceto o mais requisitado: o presente permanece linear e completamente inacessível. Estamos cientes que nossas realizações e conquistas em vida só serão reconhecidas anos após à nossa partida física e material. Não trabalhamos com o imediato mas a longo prazo. Nosso combustível é a marca que desejamos eternizar neste mundo. Para nós, é imprescindível que jamais sejamos esquecidos, porque esquecidos não se viveu e nada valeu a pena no final.

Agradecimento especial ao meu amigo Nathan pelo feedback e sugestões para melhorar o texto.

Música recomendada: a incomparável Tides of Time do Epica.

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Kauê

Escrevo sobre filosofia, psicologia e física. Esporadicamente umas pitadas de astronomia, minha vida em parábolas e alegorias propositalmente ambíguas.